Não, não existe moto ideal.
Existe, isso sim, a garagem ideal, com uma moto para cada necessidade. Sonho
possível só para alguns e assim, qual moto mais adequada para um amplo leque de
uso? As big trail atuais se aproximam do que pode ser considerada a
polivalência ideal. A Ducati com sua Multistrada é um exemplo radical do
conceito big trail. Ataca diretamente a rainha de todas elas, a alemã BMW R
1200 GS só que coma armas peculiares à tradição da marca de Bolonha, feita de
muiiiiiita esportividade.
A multistrada 1200 pretende
ser ao mesmo tempo uma excelente esportiva, uma versátil arma para o dia a dia
e uma estupenda máquina de engolir quilômetros em viagens sem limite. O alvo
dos projetistas foi atingir a competência irrestrita em cada singular condição
de uso, porém como a perfeição, se existe, está no céu, aqui na terra esta
Multistrada consegue chegar bem perto do que pretenderam seus criadores. A
versão que tivemos em nossas mãos era a mais cara e evoluída, a ST, que difere
da versão mais barata principalmente pelas suspenções Öhlins no lugar do
conjunto Marzocchi/Sachs. Toda negra, cama atenção por ser compacta, curta nos
entre eixos. Coisa de Ducati! Sua alma – seu motor – é derivado do que equipa a
superesportiva 1198. Trata-se do conhecido bicilindrico em L a 90º batizado de
Testastretta Evoluzione. Tem 1.198 cc, é refrigerado à água e, claro, seu
comando de válvulas (4 por cilindro) é desmodômico. Foi ligeiramente amansado
para oferecer melhor torque em baixos regimes.
Alta que só, os mais baixos
terão certo problema em passar a perna sobre o banco. A dica é sempre deixa-la
no cavalete central e abusar dele para montá-la. Na verdade não é a altura do
assento real o problema, razoáveis 850 mm, mas sim o banco do acompanhante que
é bem mais alto que isso: é preciso cautela para a bota não enroscar nas alças
do garupa ou quebrar um pista traseiro. O guidão, que à primeira vista parece
largo, não demonstra ser assim depois que encaixamos as mãos nele. Exagerados
mesmo são os espelhos, com grossas hastes e regulagem parecida com de carros.
Eficientes, mas pesados visualmente falando. Como toda Ducati ela é magra entre
as pernas, mesmo tendo um tancão de 20 litros. É uma posição de pilotagem
confortável, digna de uma big trail. O guidão alto permite às costas ficarem
eretas, e as pedaleiras não são tão recuadas. A bolha para-brisa não é tão
grande como a da BMW R 1200 GS Adventure, mas suficiente e muito bem casada com
o frontal bicudo ultra aerodinâmico. Se a ideia for viajar, realmente a
Multistrada 1200 oferecerá a posição de pilotagem ideal, com vantagem sobre a R
1200 GS por ser extremamente magra entre as penas.
Ligar a Multistrada requer
uma aulinha por não ter um local para enfiar a chave, mas sim uma pequena tampa
diante do tanque, que dá acesso a um botão: se o sensor que age como chave
estiver perto da moto, basta pressionar o tal botão alguns segundos que a moto “acorda”:
o painel enorme se ilumina, cheio de informações que exigem um certo tempo para
ser compreendidas, e aí chega a hora de apertar o botão de partida no punho
direito. Como toda Ducati ela “chora” para pegar, o motor de arranque e/ou a
bateria dão a impressão de serem fracos, mas é apenas uma característica. Antes
de engatar a primeira marcha vale a pena escolher no pequeno display redondo do
painel – separado do grandão principal – qual será o tipo de “tocada”. O piloto
pode optar entre “Enduro, Sport, Urban ou Touring”, quatro opções de
gerenciamento que mudam o caráter do motor como também alteram todo o trabalho
das suspensões. Elas implicam em um ajuste prévio do controle de tração e do
ABS, e ainda é possível fazer um ajuste ainda mais fino no controle de tração,
cuja vai de 1 a 8. No modo Sport ou Touring o motor oferece 150 cv, e no modo
Urban e Enduro 100 cv. Na prática, o modo Urban faz a Multistrada oferecer ao
condutor certa docilidade, que no modo
Sport se transforma em ignorância pura pela agressiva resposta do acelerador, e
é preciso muita habilidade para manter a roda dianteira em contado com o solo.
Ainda bem que o controle de tração é extremamente eficiente, e jamais sentimos
sua entrada em ação que ocorre bem perto do limite, permitindo assim uma tocada
esportiva de verdade.
Ela é uma big trail que se
comporta como uma legítima superbike: acelera muito, a frente levita e vai do
zero aos 100 km/h em menos de 3 segundos – porém o que mais chama atenção é que
o guidão alto, aberto, as costas não ficam curvadas. No momento de frear e
entrar em curvas, sem problemas, parece que estamos numa moto bem mais leve do
que que os quase 200 kg anunciados. As Rodas de aro 17” e os pneus são os modernos
Pirelli Scorpion Trail de duplo composto. Se o dono de uma Multistrada jamais
vai encarar estradas de terra, aconselhamos colocar um par de Pirelli Diablo
Rosso Corso e pronto, você terá nas mãos uma superbike radical, mas muito
confortável. Interessante notar que, mesmo as pedaleiras não sendo
exageradamente recuadas como nas superesportivas, é muito difícil raspá-las no
chão. A Multistrada permite sem muita dificuldade uso em circuito, pode-se
pilotar fazendo pendulo com os joelhos no chão, o chassi não reclama. O sistema
de freio Brembo com bomba e pinças radiais monobloco é estupendo, ate um pouco
exagerados. Até a bomba de embreagem no manicoto esquerdo é radial, o que faz
com que a força nos manetes sejam mínima.
Se por um lado ela é uma
genuína puro-sangue no asfalto, em vias de pavimentação ruim ou estradas de
terra ela se sentirá fora de seu ambiente natural. Mas como, não é uma big
trail? Sim, porém com uma capacidade mínima de enfrentar terrenos
verdadeiramente ruins, diferentemente do que faz a BMW GS, que se sente em casa
no piso ruim, mas não é capaz de desempenho tão radicalmente brilhante no
asfalto. Custando certa de R$ 85.000 nessa versão, é possível levar uma
Multistrada 1200 por R$ 62.900 caso você se abdique de boa parte de suas
mandracarias eletrônicas, o que não impede de continuar sendo uma verdadeira
Ducati, e por um valor interessante!
Texto por Roberto Agristi
Fonte: Revista M!